
Galo da Madrugada: Tradição, Evolução e o Som que Acorda Recife
Por: @mashup.br
A trajetória do Galo da Madrugada é intrinsecamente ligada à evolução do frevo, gênero musical emblemático do Carnaval pernambucano. Mais do que um bloco carnavalesco, o Galo se consolidou como um verdadeiro ícone da cultura de Pernambuco. Fundado em 1978, começou como um modesto grupo de foliões e, ao longo dos anos, se tornou o maior bloco de Carnaval do mundo, reconhecido pelo Guinness Book. Hoje, aos 47 anos, o Galo reflete as transformações não só em sua dinâmica organizacional, mas também na própria música que representa. Cisneiro Soares de Andrade, músico, etnomusicólogo, um dos fundadores do bloco, e autor do livro Galo da Madrugada: Mudanças Ocorridas nos 30 Anos de Existência do Clube, nos oferece uma visão privilegiada sobre a história do clube, a evolução do frevo e como essas transformações são percebidas no cenário atual.
“O nome do bloco surgiu da tradição de encontros matinais no bairro de São José, onde os foliões tomavam café antes de sair às ruas. O Galo vem da ideia de despertar a cidade com o frevo", explica Cisneiro.

Fonte: Veetmano Prem / Fotoarena
“A ideia de criar o Galo da Madrugada surgiu a 24 de janeiro de 1978, na Rua Padre Floriano 43, bairro de São José, com o objetivo de reviver os antigos Carnavais, quando um grupo de famílias do bairro, preocupado com o berço do frevo e as tradições, resolveu fundar o clube, e no sábado de Carnaval saiu mascarado e fantasiado pelas ruas onde morava. Foi no sábado de zé-pereira que reuniu, naquele dia 28 de janeiro de 1978, pouco mais de 75 pessoas, incluindo os músicos da orquestra no seu primeiro desfile oficial.” - Trecho do livro “Galo da Madrugada: Mudanças Ocorridas nos 30 anos de Existência do Clube”
O FERVOR BRASILEIRO - VIVA NOSSO FREVO
A dança do frevo é reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Mas o nome como conhecemos hoje surgiu a partir de 1906, período em que a polícia começou a proibir a prática da capoeira. Para fugir da fiscalização da polícia, os capoeiristas passaram a camuflar seus passos, criando uma coreografia, que vista de longe parecia uma grande ebulição, efervescência, fervura, todos da palavra ferver.
O frevo se desdobra também em outros estilos, entre eles: Frevo de Rua – Enérgico, puramente instrumental. Frevo Canção – Com letras que narram a alegria da festa e a identidade pernambucana, esse estilo abriu caminho para artistas como Alceu Valença e Moraes Moreira incorporarem o frevo em suas músicas. Frevo de Bloco – Mais melódico e lírico, costuma ser acompanhado por instrumentos de pau e corda, remetendo às antigas serenatas e aos blocos líricos tradicionais. Frevo Eletrizado – O encontro do frevo com a modernidade. Incorporado aos trios elétricos na década de 1980, ele ganhou guitarras distorcidas e sintetizadores, tornando-se mais acessível a novas gerações.

A Evolução Sonora do Frevo no Galo da Madrugada: Da Orquestra ao Trio Elétrico
Nos primeiros anos, o desfile era puramente instrumental, protagonizado por orquestras tradicionais de frevo. "Naquela época, era uma coisa muito mais orgânica. Os músicos estavam no meio da multidão, tocando sem a intermediação dos trios elétricos. Lembro-me também de que os foliões daquela época pareciam ter uma participação bem mais próxima do clube e de seus músicos, talvez porque o Carnaval de rua era literalmente “na rua”, e não nos trios elétricos, como acontece hoje. Percorríamos as estreitas ruas do bairro São José, onde o povo se espremia pelas calçadas e pelos becos. O folião demonstrava o máximo cuidado para com a orquestra, que não podia parar em momento algum.", relembra Cisneiro.
Com o passar dos anos, o crescimento exponencial do bloco exigiu adaptações logísticas e sonoras. Para acomodar a multidão cada vez maior, o percurso foi ampliado e, em 1983, os trios elétricos foram incorporados. Deixando as ruas estreitas do Bairro São José, essa mudança garantiu que a música alcançasse todo o público. Além disso, a transição trouxe vantagens significativas, como a preservação da energia dos músicos e a amplificação do som.


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Fonte: FUND AJ (c2008) & Livro “Galo da Madrugada: Mudanças Ocorridas nos 30 anos de Existência do Clube"

Fonte: FUND AJ (c2008) & Livro “Galo da Madrugada: Mudanças Ocorridas nos 30 anos de Existência do Clube"

Cisneiro acrescenta: "O frevo não se perdeu com a transição para os trios elétricos, ele foi adaptado aos novos tempos, principalmente por questões de espaço e potência sonora. Antes, para alcançar toda a multidão, era necessário um grande número de músicos para garantir uma massa sonora forte. Com a introdução dos trios elétricos e sua sonorização amplificada, essa necessidade foi diminuindo, reduzindo também a quantidade de músicos dentro dos trios. Com o tempo, o Galo cresceu tanto que começou a atrair artistas de fora da região, incluindo nomes do Sudeste. Lembro até de quando o Chacrinha veio participar do Carnaval do Galo. A essa altura, o bloco já tinha se tornado uma tradição consolidada no calendário do Carnaval pernambucano, e essa popularidade naturalmente alterou a configuração do desfile ao longo dos anos."
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Fonte: Pexels I Thiago Japyassu
No entanto, essa mudança também alterou a instrumentação. Se antes as orquestras eram compostas por naipes completos de metais e percussão, hoje, muitos trios trabalham com formações reduzidas e elementos eletrônicos, como guitarras e baixos plugados.
Mesmo com essas transformações, Cisneiro ressalta que o frevo continua sendo a essência do Galo. "O repertório do Galo da Madrugada continua sendo essencialmente frevo, mas sua execução evoluiu ao longo dos anos. Com o crescimento do bloco e a introdução dos trios elétricos, a instrumentação precisou se adaptar, incorporando guitarras, baixos e teclados para garantir que o som alcançasse toda a multidão.", diz. A mistura de instrumentos e elementos sonoros reflete não apenas mudanças estruturais do bloco, mas também uma adaptação à nova realidade cultural e tecnológica do Carnaval.
Outro ponto abordado pelo pesquisador é a importância da etnomusicologia na compreensão dessas mudanças. "A pesquisa nos ajuda a entender como uma manifestação cultural se adapta ao tempo sem perder sua identidade", destaca.
Fonte: FUND AJ (c2008) & Livro “Galo da Madrugada: Mudanças Ocorridas nos 30 anos de Existência do Clube"
O Bairro São José
O Galo da Madrugada exerce um impacto profundo não apenas na música, mas também na economia do bairro de São José, em Recife, durante o carnaval. Reconhecido como o berço do frevo pernambucano, São José desempenhou papel crucial no desenvolvimento desse gênero musical, que se consolidou ao longo do século XIX e início do século XX. Durante essa época, o bairro foi um ponto de encontro vibrante para músicos e artistas imersos nas manifestações culturais populares de Pernambuco.
O frevo, com suas raízes nas influências africanas, portuguesas e indígenas, ganhou força como uma expressão genuína do Carnaval pernambucano ali mesmo, em São José. Foi nesse contexto que surgiram muitos dos primeiros blocos carnavalescos que ajudaram a dar forma ao frevo como o conhecemos hoje.
Impacto Cultural e Social
Atualmente, o Carnaval movimenta a economia da região, trazendo investimentos e um intenso fluxo comercial. No entanto, uma pesquisa conduzida por Cisneiro Soares de Andrade com moradores do bairro revela uma preocupação recorrente: a falta de continuidade nas melhorias ao longo do ano, o que indica que o impacto positivo do Galo ainda não é plenamente aproveitado fora da temporada carnavalesca.
Apesar dessa carência de atenção constante para o bairro que gerou o maior bloco carnavalesco do mundo, a relevância do Galo da Madrugada vai além do Carnaval. A instituição mantém uma agenda ativa de ações sociais e educativas ao longo do ano, como oficinas de música e festivais voltados ao frevo, que desempenham papel crucial na preservação da cultura local e na formação de novas gerações de músicos e foliões. Essas iniciativas garantem que o frevo continue a pulsar com vigor, preparando o terreno para que a tradição se mantenha viva e relevante.
A etnomusicologia tem um papel fundamental nesse processo, analisando as transformações do Galo da Madrugada e preservando os elementos essenciais da identidade do bloco. Com mais de 30 anos de mudanças, o Galo da Madrugada continua a ecoar pelas ruas de Recife com sua energia contagiante. Seja nas ruelas históricas de São José ou nos trios elétricos contemporâneos, uma coisa é certa: enquanto houver Carnaval, o Galo seguirá cantando.

