

Karine Mageste: Entre Memória e Ficção Científica Copiar
a Pintura como Diário de Transformação
Por: @mashup.br
Karine Mageste transforma pintura em narrativa, explorando passado, presente e futuro como partes de uma mesma linha. Seu trabalho carrega as nuances da memória, da identidade e da ficção científica, criando diários visuais que se desdobram como camadas de um processo pessoal e artístico. A transição de gênero teve um papel essencial em sua trajetória, tornando sua arte um espaço de investigação sobre transformação e autopercepção. Conversamos com a artista sobre suas inspirações, processos e como sua pesquisa se manifesta em cada tela.

Fonte: Karine Mageste
Karine explora as interseções temporais em suas obras, criando uma narrativa que mistura memórias, sentimentos e projeções. Para ela,pelo menos agora, a pintura é um diário emocional e reflexivo, uma forma de organizar os pensamentos cotidianos e transformá-los em imagens simbólicas.
MashUp: O que te atrai nessa interseção entre passado, presente e futuro?
Karine Mageste: Eu vejo esse decorrer da vida nessa linha do tempo, parece que a gente vai acessando coisas do passado, tempo todo, memórias e pensamentos do futuro, isso vai influenciando muito no presente. E aí, no meio desses pensamentos, vêm pensamentos muito fortes, que aí eu penso, “Nossa, eu preciso registrar isso”. Como construir uma imagem através disso? [...] Esse paralelo entre presente, futuro e passado estão muito juntas nessa formação do nosso ser, nesse ser que a gente escolhe ser a cada dia. A gente acorda hoje com humor, hoje eu vou ser esse ser. E aí você acessa memórias do passado e pensa em projeções do futuro.
Esse fluxo contínuo de tempo e memória se reflete na forma como Karine constrói suas composições, misturando elementos nostálgicos com inspirações de ficção científica, um gênero que a fascina desde criança. “A ficção científica é um veículo do cinema que eu amo muito... está muito presente no meu trabalho por se tratar dessa questão do futuro, do presente e do passado.”
A autorrepresentação tornou-se uma parte essencial de suas obras. Inspirada por sua experiência pessoal e por referências culturais, Karine se coloca como protagonista de suas telas, questionando estereótipos e explorando sua identidade em constante transformação.

MashUp: Como foi esse processo de se expressar através da arte durante a transição de gênero?
Karine: A minha transição fez com que o meu trabalho se transicionasse para uma espécie de diário, que aí eu comecei a utilizar a forma, a cor e a composição da pintura de forma a conseguir estabelecer histórias, histórias de períodos. Eu já tinha começado a desenvolver um domínio de cor, um domínio de forma e eu já podia expandir para algo mais além, sabe? Começar a trabalhar o fundo não só como algo que ia sustentar a figura, mas como algo que fosse interagir com a figura também. Eu sempre trabalhei muito com figuras. Eu comecei a tratar o fundo e a figura de uma forma pictórica igual, assim, sabe? Com a mesma responsabilidade.
Antes, suas figuras eram chapadas, separadas do fundo. Hoje, fundo e figura interagem de forma orgânica, refletindo a complexidade de sua jornada pessoal.
A série Melancolias explora um cenário nostálgico com influências de ficção científica. Inspirada por filmes como Alien, Karine cria composições que misturam melancolia e fantasia, refletindo suas memórias e emoções.
MashUp: Você retrata alienígenas em algumas de suas obras. Porque?
Karine: Porque quando eu assisti Alien quando eu era criança, eu via a Ripley e ela era uma mulher com aquelas atitudes de tenente.... Ela espera que o protocolo seja respondido e ela tem essa atitude que, em alguns casos, é autoritária, que para um homem é algo completamente normal, em um filme de 79. Então, quando eu era criança e vi esse filme, uma das primeiras coisas que me chamaram a atenção foi a protagonista, assim, e a história do filme em si. É uma criatura lá do espaço e o único mecanismo que ela tem é de sobreviver e de proliferar espécie. Então, assim, a forma como a criatura se desenvolve e se multiplica é quase um estupro, sabe? E o filme é cheio de alegorias e eu fui analisando isso. Na época que eu fiz essa pintura, eu estava ficando com um boy, e era uma das primeiras experiências que eu estava tendo pós-transição. E eu estava achando tudo muito confuso, não estava entendendo nada. Eu estava realmente me sentindo perdida no corredor de uma nave no espaço fugindo de uma criatura.
O alienígena torna-se, então, uma metáfora de suas experiências pessoais. Essa exploração vai além do tema da ficção científica, revelando um jogo simbólico entre o real e o imaginário, onde passado e futuro se cruzam em um mesmo plano narrativo.

Fonte: Karine Mageste
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Fonte: Karine Mageste





Apesar da estética futurista de algumas obras, Karine também explora suas raízes culturais na série Morada dos Afetos. Com uma abordagem nostálgica e emocional, a série celebra memórias familiares e conexões afetivas. “A morada dos afetos é separada em quatro: a primeira que foi uma série de nuvens, a seguda de nebulosas, e depois vai se desdobrando com a minha mãe, eu e meu cachorro…”.
Essa pluralidade temática reflete a versatilidade de Karine em navegar entre ficção científica, nostalgia e afetos familiares, criando uma narrativa emocional. Sempre em busca de se expressar, ela também explora outros formatos além da colagem e pintura, atualmente, investiga a possibilidade de incluir dobradiças em telas, inspirada pela estética dos livros pop-up.
MashUp: O que te levou a explorar dobradiças nas telas?
Karine: “Eu sempre investiguei muito pop-up. e sempre gostei muito de fazer pop-up. O pop-up, ele tem uma coisa do papel, né? Tem a facilidade do papel, o papel dobra, cola. Eu sempre fiz muito isso na aquarela. Só que aí, me deu muita vontade de fazer isso no óleo também. Para investigar essa possibilidade de uma coisa que dobra, eu coloquei dobradiças nas telas.
Arte não é apenas uma forma de expressão, mas uma maneira de existir no mundo. Suas pinturas são registros de sua jornada pessoal, reflexões sobre o tempo, identidade e transformação. Em suas obras, passado, presente e futuro se encontram, criando um espaço de reflexão e conexão emocional. Sua arte é uma constante investigação sobre o que significa existir e se transformar, explorando identidades, afetos e memórias com delicadeza e profundidade.
