Na curva silenciosa do Rio São Francisco, quase na divisa entre Alagoas e Sergipe, existe uma ilha que não é ilha. Ilha do Ferro é o nome de uma pequena comunidade ribeirinha do município de Pão de Açúcar (AL), conhecida nacional e internacionalmente não apenas por suas paisagens, mas por sua arte.
Localizada no sertão de Alagoas, a cerca de 360 km de Maceió, a Ilha do Ferro está situada às margens do Velho Chico. O nome é um vestígio do passado: antes da construção da barragem de Xingó, o local realmente ficava isolado por braços do rio durante boa parte do ano. Hoje, com o controle das cheias, o acesso é possível por terra durante todo o ano, mas o nome ficou.
Apesar da fama entre artistas, arquitetos e designers, a Ilha do Ferro ainda resiste ao turismo de massa — e talvez resida aí parte de seu encanto. O caminho mais comum começa em Maceió ou Aracaju, com destino à cidade de Pão de Açúcar, a mais próxima da comunidade. De Maceió, são cerca de quatro horas de carro pelas rodovias BR-316 e AL-220, atravessando paisagens secas e impressionantes do sertão alagoano. De lá, o visitante pode seguir por uma estrada de terra por mais 30 minutos, ou então escolher o percurso mais poético: atravessar o Rio São Francisco de barco, a partir do porto de Entremontes, em Sergipe.
Dizem que o melhor jeito de chegar até lá é sendo convidado. E talvez seja verdade. A ilha opera em um tempo próprio — aquele em que os compromissos se organizam em torno da brisa do rio, das conversas nas calçadas e dos barcos que passam devagar.
O ponto de virada na história da Ilha do Ferro não começou em uma galeria — começou sob a sombra de uma árvore. Nos anos 1980, conta-se que um político passou pela comunidade pedindo votos. Os moradores aceitaram o apoio com uma condição: queriam luz elétrica. Pedido aceito, mas para fincar o primeiro poste, foi preciso derrubar uma árvore. A madeira, que poderia simplesmente apodrecer no chão, caiu nas mãos de Fernando Rodrigues — um artesão autodidata que já fazia tamancos de madeira. Com ela, ele esculpiu um banco. Simples, funcional, bonito. Nascia ali o embrião de uma das expressões mais singulares do design popular brasileiro.
Anos depois, o fotógrafo Celso Brandão chegou à Ilha para registrar o trabalho das bordadeiras da região. Ao se deparar com as peças criadas por Seu Fernando, entendeu que havia algo ali que ia além do artesanato tradicional. Passou a documentar e divulgar a produção da comunidade, ajudando a lançar luz sobre aquele talento escondido às margens do São Francisco. A partir dali, vieram os olhares curiosos de arquitetos, curadores e designers — e, com o tempo, o reconhecimento nacional e internacional.
Mas Seu Fernando não guardava segredo: ensinava quem quisesse aprender, sem distinção. Seu legado não está apenas nas peças assinadas por ele, mas em toda uma geração de artesãos e artesãs que, inspirados por seu trabalho, transformaram a Ilha do Ferro em um verdadeiro polo criativo.
A atmosfera da Ilha do Ferro lembra um museu a céu aberto, mas sem curadoria formal. Portas coloridas, esculturas feitas com madeira reciclada, móveis de design rústico que já foram parar até fora do Brasil. Tudo se mistura ao cotidiano local: galinhas soltas, redes nas varandas, roupas no varal.
A “vibe” da ilha é orgânica, quase suspensa, como se o tempo tivesse se curvado ao ritmo da criação manual. É comum ver moradores trançando fios de crochê em frente às casas ou escultores trabalhando peças sem nenhuma pressa. A tradição artesanal se perpetua em gerações – muitos jovens, inclusive, optam por permanecer na comunidade para seguir o ofício dos pais.
E se te encanta e bater papo, aqui é seu lugar. O ateliê dos artesões na realidade são dentro de sua casa. Basta bater na porta que vai ser muito bem recebido. Alguns dos ateliês da região: Seu Menino (Seu Antonio), Dona Morena, Zé Bezerra, Cícero Rodrigues.
A herança de Seu Fernando floresceu em muitas mãos. Hoje, a Ilha do Ferro abriga uma comunidade vibrante de artistas, cada qual com uma linguagem própria, mas todos conectados por um mesmo senso de pertencimento e invenção. Dona Morena, bonequeira de 99 anos, é uma das mais antigas em atividade: suas figuras de pano e barro retratam o cotidiano da ilha com uma doçura crua, sem afetação. Zé Crente — apelidada assim por já ter sido da igreja — é conhecida por suas “máscaras” rústicas, que misturam elementos de mitologia sertaneja, religiosidade popular e pura experimentação. Esses são apenas alguns dos nomes dos artesões da cidade, mas nem 1% do que se pode encontrar nas ruas da Ilha do Ferro.
Visite também o museu da Ilha do Ferro. Mas, a arte pode ser o motor da Ilha do Ferro, mas não é sua única paisagem. Para além dos ateliês — muitos abertos à visitação, sem pressa nem formalidade —, o entorno oferece experiências quase meditativas, onde o Rio São Francisco é protagonista.
Um dos mais encantadores leva até a Ilha dos Anjos, um banco de areia no meio do rio, perfeito para nadar em águas rasas e cristalinas, apenas cinco minutos da Ilha do Ferro. Outro percurso segue até o Curralinho e Há também o Morro da Onça, onde se encontra outros artistas famosos na Ilha.
A arte pode ser o motor da Ilha do Ferro, mas não é sua única paisagem. Para além dos ateliês — muitos abertos à visitação, sem pressa nem formalidade —, o entorno oferece experiências quase meditativas, onde o Rio São Francisco é protagonista.
Um dos mais encantadores leva até a Ilha dos Anjos, um banco de areia no meio do rio, perfeito para nadar em águas rasas e cristalinas, apenas cinco minutos da Ilha do Ferro. Outro percurso segue até o Curralinho e Há também o Morro da Onça, onde se encontra outros artistas famosos na Ilha.
Dica rápida: É bem comum fazer todos no mesmo dia e o preço do passeio fica cerca de R$120 por pessoa, sem incluir o almoço em Curralinho.
As noites na Ilha são mais tranquilas, mas o Bar Macumba do André é bem famoso e transmite totalmente a energia do lugar. Cheio de penduricalhos e peças dos artistas da região, se você der sorte irá pegar um forró rolando.
Na Ilha do Ferro, comer não é exatamente sobre cardápios ou horários fixos — é sobre saber quem está cozinhando naquele dia, perguntar, combinar, esperar. Em alguns lugares, é preciso encomendar antes. Em outros, é chegar, sentar e torcer para ainda ter o que comer. A seguir, algumas dicas de onde encontrar sabores locais que fazem jus à paisagem:
Ceviche de piranha da Dona Lúcia: tremendo. Ácido na medida, servido fresco. Se ela estiver no modo generoso, peça também o ceviche de frutas, tão inesperado quanto viciante. É preciso encomendar: +82 99304-02874.
Restaurante da descida principal para o rio: comida simples e bem feita, com vista para o São Francisco. Reservas por WhatsApp: +82 99117-5106.
Pousada da Dona Vana: além da hospedagem, serve café da manhã e almoço — ficou famosa depois de aparecer no Caldeirão do Huck. A dica é chegar cedo, pois pode acabar.
Espetinho da subida: subindo a rua da Dona Vana, dá para encontrar um espetinho à noite. É informal, como tudo por aqui.
Restaurante ao lado do mercadinho da rua principal: serve almoço com bom preço e, melhor ainda, não precisa reservar.
O resto se vai descobrindo.
Confira o vídeo completo da Ilha do Ferro no Youtube
