“Maria La Hipotenusa” – nome artístico – cresceu em Nariño, no sul da Colômbia, uma região marcada pela diversidade: cordilheira, selva e mar em um mesmo território. Esse ambiente múltiplo, impregnado de espiritualidade ritual, fauna e flora exuberantes, influencia diretamente sua obra. Artista plástica, ilustradora e criadora de objetos personalizados, Maria constrói um universo que entrelaça memória, feminilidade e tradição artesanal em um gesto íntimo que resiste ao tempo e às tecnologias.
Proveniente de uma família de artesãos do ferro, encontrou desde muito jovem nos materiais e nas formas um espaço para imaginar mundos. Mais tarde, sua prática se expandiu para exposições, ilustrações e colaborações com escritores, revistas e projetos editoriais. Hoje, sob o pseudônimo La Hipotenusa, Maria afirma sua liberdade criativa com linhas que se prolongam como extensões da imaginação e da memória.
“Venho de uma família que tem uma tradição artesanal. Meu avô paterno era ferreiro e meus pais trabalhavam com ferro forjado. Quando criança, nesses espaços, eu imaginava desenhos, formas e materiais. Sempre tive um ambiente criativo.”
Na universidade, meu trabalho se destacou e me permitiu expor projetos sobre a mulher, o amor e os vínculos. Naquele momento, o feminismo ainda não era discutido abertamente, e isso alimentou minha necessidade de trazer o feminino como tema central.
A partir daí, tive a oportunidade de trabalhar com uma ONG na Colômbia e, nesse momento, me aproximei da ilustração como forma de existência, trabalho e meio de expressão, em lugares tão remotos do país onde um lápis e um papel podem transformar e retratar o entorno, construir memória e coletividade, além de expressões que não precisam de grandes formatos ou técnicas. Um ato de democracia que você pode compartilhar a qualquer momento, com qualquer pessoa.”
MashUp: O nome La Hipotenusa tem uma sonoridade intensa. Como surgiu?
Maria: Surgiu quando comecei a ter um perfil social. Eu prefiro o anonimato e pensei: o que quero compartilhar e até onde? O pseudônimo me dá privacidade e, o mais importante, permite que meu trabalho se desenvolva livremente. La Hipotenusa é uma metáfora que vincula o trabalho minucioso e detalhado da linha, como uma constante que permite criar além do tempo – uma linha mais longa, uma prolongação da imaginação e da memória.
MashUp: Muitas de suas ilustrações retratam mulheres. Que mensagem você busca transmitir?
Maria: Para mim, a mulher é sustentáculo, cuidadora, criadora de vínculos, possuidora de conhecimentos e poderes secretos ligados à natureza. Meu trabalho explora essa memória e tradição, inventando mundos a partir de uma perspectiva feminina que evoca lembranças coletivas e pessoais.
MashUp: A cultura colombiana aparece em sua obra?
Maria: Sem dúvida. Minha região, Nariño, um lugar maravilhoso onde você pode experimentar a cordilheira, a selva e até o mar, oferece imagens incríveis que formam uma visão muito particular da vida. A fauna e a flora têm sido constantes em meu trabalho, porque fazem parte do meu cotidiano. No sul da Colômbia, onde vivo, existe uma cosmovisão muito ligada à espiritualidade ritual, na qual esses elementos são fundamentais. É um território diverso em todos os sentidos da vida.
MashUp: Como você começa um projeto: a partir do papel ou da intuição?
Maria: Começa no intangível. A intuição, as vivências, os momentos únicos. O conteúdo é o vital. Não busco a exatidão, mas dar humanidade e conexão à linha. Isso que chamo de “intimidade universal”, que conecta com algo profundamente familiar.
MashUp: Seus principais instrumentos são papel e caneta?
Maria: Sim, mas também exploro outros materiais e disciplinas. Às vezes, mudo o meio para falar de certas coisas. Cada material desenvolve sua própria linguagem.
MashUp: Que referências guiaram seu estilo?
Maria: Admiro Jung Yumi, Carmen Segovia, Alicia Viteri, Beatriz González, Débora Arango, María de la Paz Jaramillo e Roberto Fabelo, entre outros.
MashUp: Em tempos de imagens digitais e IA, o que mantém viva a linha humana?
Maria: A tradição e sua divulgação. Vejo o desenho como um exercício para recordar e contar. Quando nos permitimos isso, trazemos em nossos traços parte de nossa identidade e do que somos: a necessidade do imperfeito, aquela beleza escondida em algo criado com as mãos. Embora a tecnologia permita resolver aspectos estéticos, suas limitações estão sempre ligadas àquilo que não pode imaginar ou que imagina de mais. Uma visão desproporcional até agora, sem tato para com a imagem. A construção da ideia, para mim, é mais ampla que a imagem final: o valor do processo é o que transforma cada ilustração em uma obra única.
Se pudesse colaborar com qualquer artista: Desenharia com Débora Arango e Jung Yumi. Inspira-me a forma como abordam o interno a partir da beleza e seus múltiplos significados.
O conselho mais estranho: Migrar totalmente para o digital. Tem vantagens, mas continuo resistindo: preciso da obra tangível, do papel, da tinta fresca. Vejo o desenho e, em si, a criação, como uma tradição compartilhada de geração em geração. Na primeira caverna pintada. Quando nos permitimos compartilhar o ato criativo, também estamos criando a possibilidade de que esse ato se repita no tempo. E assim se transmitem as visões que cada povo tem sobre como se relaciona com o mundo e sua trajetória.