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Ilha do Ferro e Seu Fernando: artesanato às margens do Rio São Francisco

Às margens do Rio São Francisco, um pequeno povoado virou referência em arte popular e design autoral no Brasil. No centro de tudo, um mestre: Fernando Rodrigues.

No meio do sertão de Alagoas, quase na divisa com Sergipe, existe um lugar onde a arte brota do chão seco, das raízes do umbuzeiro e da madeira que a caatinga oferece. A Ilha do Ferro, um povoado do município de Pão de Açúcar, tem menos de 300 moradores, mas abriga um dos mais ricos polos de artesanato autoral do país. A paisagem é árida, mas fértil em criação. À beira do Velho Chico, a vila cresceu em silêncio e trabalho, longe dos grandes centros urbanos, mas com uma produção que atravessou o Brasil e chegou até galerias e museus fora dele. É aqui que viveu e criou Seu Fernando Rodrigues, o mestre artesão que transformou um povoado esquecido em referência de design brasileiro.

A história da ilha que não é uma ilha

Apesar do nome, a Ilha do Ferro não é uma ilha de verdade. Trata-se de uma comunidade ribeirinha, de acesso difícil por muito tempo, onde a seca e o isolamento marcaram o cotidiano. Mas foi justamente nesse cenário que surgiu uma forma única de fazer arte, sem escola formal ou acesso a materiais sofisticados.

Quem é Seu Fernando

Fernando Rodrigues da Silva, conhecido como Seu Fernando, nasceu em 1943 e começou a esculpir cedo, sem mestre ou molde, guiado apenas pelo olhar curioso e pelas mãos calejadas.

Dizem que tudo começou quando um político foi pedir votos na região e ele respondeu que só votaria nele caso levasse energia elétrica para a comunidade. Dito e feito, o político levou a energia, e para instalar os postes tiveram que cortar uma árvore. A madeira que sobrou chamou a atenção de Seu Fernando. Ele pegou um pedaço, talhou, lixou e transformou em banco. Sem saber, inaugurava uma nova fase para a vida dele e da comunidade.

Nos anos 1980, o fotógrafo Celso Brandão visitou a Ilha do Ferro para um projeto do Museu Théo Brandão. Ao ver os bancos e as obras de Seu Fernando, encantou-se e começou a registrar as peças e o cotidiano da comunidade. Em 2017, Brandão lançou o livro Ilha do Ferro, com fotos em preto e branco que mostravam a religiosidade, a paisagem e as expressões daqueles sertanejos.

Seu Fernando ensinou tudo o que sabia para o restante do povoado, abrindo espaço para que outros artesãos da Ilha também fossem reconhecidos como artistas.

Seu Fernando fazendo artesanato na Ilha do Ferro

Um polo vivo de criação

Hoje, a Ilha do Ferro é reconhecida como um dos principais centros de arte popular contemporânea do Brasil. O estilo desenvolvido ali, conhecido como design vernacular, mistura funcionalidade, estética e improviso criativo. E segue vivo.

Além de Seu Fernando, que faleceu em 2020, outros nomes importantes surgiram na comunidade, como Cícero Rodrigues, José Bezerra, Erivaldo da Ilha e várias mulheres que trabalham com bordado e tecelagem, ampliando o repertório visual do lugar.

A tradição do banco esculpido continua, mas novas linguagens e materiais foram incorporados. As técnicas se multiplicaram, sem perder o vínculo com o território e a natureza local.

A força da Ilha do Ferro está no coletivo. Cada peça produzida ali carrega não só a estética do sertão, mas também uma filosofia de vida: criar com o que se tem, respeitar o tempo das mãos, reinventar o cotidiano. Não é apenas artesanato. É identidade em forma de madeira, tecido e cor.

Hoje, a Ilha inspira designers contemporâneos, é estudada em faculdades de arte e arquitetura e recebe visitantes que atravessam o país para ver de perto o que brota daquele chão seco à beira do São Francisco.

E no coração de tudo isso, mesmo depois de sua partida, segue vivo o legado de Seu Fernando. Mais do que um artesão, um mestre da invenção.

 

 

 

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